Condição de entrega [Martha Medeiros]

Acaba de ser revelado o que uma mulher quer - e que Freud nunca descobriu. Ela quer uma relação amorosa equilibrada onde haja romance, surpresa, renovação, confiança, proteção e, sobretudo, condição de entrega. É com esta frase objetiva e certeira que Ney Amaral abre seu livro “Cartas a uma mulher carente”, um texto suave que corria o risco de soar meio paternalista, como sugeria o título, mas não. É apenas suave.

Romance, surpresa etc. não chegam a ser novidade em termos de pré-requisitos para um amor ideal, supondo que amor ideal exista, mas “condição de entrega” me fez erguer o músculo que fica bem em cima da sobrancelha, aquele que faz com que a gente ganhe um ar intrigado, como se tivesse escutado pela primeira vez algo que merece mais atenção.

Mesmo havendo amor e desejo, muitas relações não se sustentam, e fica a pergunta atazanando dentro: por quê? O casal se gosta tanto, o que os impede de manter uma relação estável, divertida e sem tanta neura?

Condição de entrega: se não existir, a relação tampouco existirá para valer. Será apenas um simulacro, uma tentativa, uma insistência.

Essa condição de entrega vai além da confiança. Você pode ter certeza de que ele é uma pessoa honesta, de que falou a verdade sobre aquele sábado em que não atendeu ao telefone, de que ele realmente chegará na hora que combinou. Mas isso não é tudo. Para ser mais incômoda: isso não é nada.

A condição de entrega se dá quando não há competitividade, quando o casal não disputa a razão, quando as conversas não têm como fim celebrar a vitória de um sobre o outro. A condição de entrega se dá quando ambos jogam no mesmo time, apenas com estilos diferentes. Um pode ser mais rápido, outro mais lento, um mais aberto, outro mais fechado: posições opostas, mas vestem a mesma camisa.

A condição de entrega se dá quando se sabe que não haverá julgamento sumário. Diga o que disser, o outro não usará suas palavras contra você. Ele pode não concordar com suas ideias, mas jamais desconfiará da sua integridade, não debochará da sua conduta e não rirá do que não for engraçado.

É quando você não precisa fingir que não pensa o que, no fundo, pensa. Nem fingir que não sente o que, na verdade, sente.

Havendo condição de entrega, então, a relação durará para sempre? Sei lá. Pode acabar. Talvez vá. Mas acabará porque o desejo minguou, o amor virou amizade, os dois se distanciaram, algo por aí. Enquanto juntos, houve entrega. Nenhum os dois sonegou uma parte de si.

Quando não há condição de entrega, pode-se arrastar, prolongar, tentar um amor para sempre. Mas era você mesmo que estava nessa relação? Condição de entrega é dar um triplo mortal pressentindo que há uma rede lá embaixo, mesmo que saibamos que não existe rede para o amor. Mas intuir a presença dela nos basta.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livro: A Boa Sorte [Álex Rovira Celma e Fernando Trías de Bes]

Teste: Qual é a cor do seu cérebro?

Cinema: Tropa de Elite 2