"Solitary man" [by Martha Medeiros]

Não deveria sacrificar minha paz de espírito com bobagem, mas o fato é que ainda me irrito com as traduções de filmes feitas no Brasil. A última extravagância se deu com o recente filme de Michael Douglas, por isso mantive o título original encabeçando esta crônica, já que me nego a reproduzir “O solteirão”, como está nos cartazes dos cinemas. Não se trata da história de um solteirão, mas nada como um apelo fácil para atrair público.

O filme mostra o desenrolar da vida de um homem de 60 anos que, durante um check-up de rotina, descobre que talvez tenha algumas complicações cardíacas. Talvez. Não há nada confirmado. O médico pede novos exames para ter certeza, mas o paciente decide não ir adiante na investigação da sua saúde. Mesmo sem ter um resultado definitivo, resolve que é hora de aproveitar a vida. E, para ele, aproveitar a vida significa mandar às favas a ética.

Falastrão e arrogante, o personagem só faz besteira, uma atrás da outra. Passa por cima dos sentimentos dos outros, feito um trator. Pensa que está curtindo à beça, mas na verdade está pagando um tributo à morte. É ela que está no comando, fazendo dele uma marionete das mais patéticas.

Além de jogar toda uma carreira profissional no lixo, o homem não pode ver alguém usando saia que se transforma num predador incontrolável, mesmo que haja um alerta de “perigo” piscando à sua frente. Pouco importa se a presa for a filha adolescente da sua namorada ou o grande amor do seu melhor amigo. A morte está à espreita, é a última chance de ser jovem de novo. Atacar!

Michael Douglas interpreta o papel com muita dignidade, e é irônico que ele próprio, hoje, esteja gravemente doente. Brincando numa entrevista, ele disse que nunca pensou em ir tão longe na divulgação de um filme. Mas o fato é que a morte ronda a todos, personagens reais ou fictícios, e cabe a nós combatê-la com maturidade em vez de se deixar levar pelo descontrole.

O bom-senso recomendaria que, na perspectiva de se estar vivendo os últimos anos, privilegiássemos o que de fato tem valor: os amores conquistados e essenciais. Mas estamos sempre em dívida com a nossa juventude, e a tentação de voltar a ela para incrementar nossa biografia é mais forte do que nossa racionalidade. Daí para a patetice é um pulo.

Mesmo inescrupuloso, simpatizamos com o personagem de Michael Douglas porque, de certa forma, somos todos um bando de assustados tentando vencer o invencível. Há um pouco dele em nós, e “um pouco” é medida tolerável, não compromete nossas atitudes. Mas o personagem, ao contrário, perde totalmente os critérios e dá bandeira da sua enorme fragilidade. Ora, vamos todos morrer, mas isso não é desculpa para não se respeitar as regras do jogo. E a regra do jogo é clara: o que nos fará feliz na iminência do fim é exatamente o que já nos fazia feliz antes. O resto é pânico, só.

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