Um oásis no deserto [Martha Medeiros]
Aconteceu no Rio, pelo que ouvi falar. Um garoto aparentando ter uns 19 anos resolveu improvisar um pocket show usando uma esquina da cidade como palco: a cada vez que o semáforo fechava, ele se posicionava na frente dos carros e tocava saxofone por um minuto. Aí o sinal abria e ele voltava para a calçada. Não era malabarismo para garantir uns trocados. Ele fez isso por... sei lá, sugira você uma razão: farra, vaidade, benemerência, esperança de cruzar com um produtor musical? O que importa é que fez, e o curioso é que, assim que o sinal abria, os motoristas custavam a arrancar seus carros, perdiam a pressa. Haviam se deparado com um pequeno oásis em meio ao caos.
Cheguei do Marrocos há poucos dias, um país encantador, com uma biodiversidade de tirar o fôlego. Cruzei a árida cordilheira Atlas, percorri um pequeno trecho de uma trilha que já fez parte do Paris-Dakar e cheguei a dormir uma noite num acampamento de tuaregues em pleno deserto: tudo estupendo, mas seco. Ainda assim, engolindo areia, fui surpreendida várias vezes por alguns oásis que quebravam o jejum.
Fazia-se uma curva na estrada e de repente se vislumbrava um conjunto de palmeiras verdes, tão verdes que pareciam pinceladas à mão. De onde brotavam, de que solo fértil, de que estúdio cenográfico? Pareciam miragens.
Aterrissei de volta ao Brasil e entre as notícias de um apagão inexplicável e de um escândalo mais inexplicável ainda por causa de uma reles minissaia que gerou teses sociológicas, preferi me ater a essa história do garoto saxofonista que fazia shows de um minuto no agito das ruas, silenciando os buzinaços com sua música. Pensei: também é um oásis.
O que não falta por aí são pessoas com vidas desérticas, pensamentos viciados, gente presa em calabouços e respirando por aparelhos, sem dedicar um minuto, um minutinho que seja por dia, a criar seu próprio oásis. Os nossos podem ser tão numerosos quanto os que eu encontrei naquelas paisagens marroquinas em tons de terracota, em que já não se distingue o que é cor original ou desbotada, uma estética da solidão que tem sua beleza e força, mas que clama por um pouco de oxigênio.
As pessoas dizem que a tecnologia, que deveria servir para agilizar o nosso trabalho e liberar mais tempo para o lazer, está, ao contrário, produzindo ainda mais trabalho e mais estresse. A culpa não é da tecnologia, que, pelo que sei, ainda não tem cérebro, mas de seus usuários, que deveriam pensar mais em vez de entrarem na paranóia de preencher cada hora do seu dia com atividades produtivas, ignorando a produtividade que também há num encontro entre amigos, num cinema, numa caminhada, na audição de um disco, na meditação, num fim de semana longe da cidade, na leitura de um livro, num passeio de bicicleta, num namoro, no desprezo à lógica e no respeito aos acasos. Esses são os verdadeiros oásis, ao contrário dos oásis fabricados, como, por exemplo, restaurantes da moda onde não se come bem nem se ouve ninguém.
O saxofonista no meio da rua nada mais fez do que ofertar à vida opaca um toque de verde.
@e-mail: Martha Medeiros
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