Viajandões [Martha Medeiros]

Violência urbana nunca foi novidade. Aumentou, mas sempre existiu. Porém, até ela já teve dias mais românticos. Podemos quase sentir saudades de uma época em que os crimes eram protagonizados por uma turma que queria apenas enriquecer sem trabalhar, e para isso invadiam sua casa, levavam seu carro ou afanavam sua bolsa, mas sempre tendo a delicadeza de avisar antes:

- Mãos ao alto, isso é um assalto.

Eles sabiam o que estavam fazendo. E uma vez com o objeto do desejo em mãos, iam embora apressados assim que ouviam as sirenes da polícia, não sem antes fazer uma mesura de despedida. Quase posso ver George Clooney no papel.

Hoje os meliantes chegam agressivamente comunicando “Perdeu! Perdeu!”, a polícia não aparece e ninguém sabe direito o que está fazendo: se antes éramos surpreendidos por um pessoal que, a seu modo, tentava evitar confusões desnecessárias, hoje nos atacam completamente chapados, alucinados e sem a menor condição de distinguir um assalto de um assassinato. Não se pode mais escolher entre a vida ou a bolsa: eles levam ambos.

A recomendação sempre foi a de não reagir. Eles têm uma arma, você não. Obedeça. Porém, até um tempo atrás, contávamos com um mínimo de discernimento a nosso favor. Quem te assaltava sabia que estava cometendo um crime, sabia que deveria agir rápido e fazer o menor estrago possível, sem chamar atenção. Havia esperança de eles serem minimamente lúcidos e fazerem um serviço limpo.

Hoje, o cara que te ataca pensa que é Jesus Cristo. Tem delírio de todos os tipos. Se você ousar piscar os olhos, ele poderá interpretar como um sinal feito para o carro da frente. Se você estiver de camiseta verde, isso pode ser considerado uma provocação, já que a grama também é verde, você por acaso o está mandando pastar? Em sua infinita doideira, nós é que somos a ameaça.

Não bastasse estarmos sem segurança nas ruas e à mercê de marginais que têm a maior facilidade para conseguir uma arma de fogo, ainda temos que lidar com essa outra arma invisível e ainda mais letal: o descontrole de seus atos. Se antes torcíamos para nunca sermos assaltados, atualmente torcemos para que, quando chegar a nossa vez, o criminoso esteja de cara, sóbrio, no seu juízo perfeito, totalmente capacitado para levar o que é nosso sem entrar em surto.

É mais uma inversão de comportamento que a violência provoca. Antes, morrer de causa natural era morrer de velhice. Hoje, natural é morrer de latrocínio. Cidadãos que trabalham e pagam impostos vivem em prisão domiciliar, atrás de grades. Você atende o telefone e alguém tenta lhe extorquir dinheiro através de um trote. Você não tem segurança para ir ao supermercado. Não tem segurança ao sair de uma igreja. Não tem segurança dentro da escola.

E agora essa: ainda temos que torcer para que o agressor, ao nos atacar, não tenha medo de nós.

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