A ausência do ócio prejudica a criatividade

"É impossível ser criativo nessas condições. As boas ideias só aparecem quando há tempo livre para pensar." [DOMENICO DE MASI, 2002]

A Revolução Industrial trouxe um grande salto de produtividade e ganhos para as nações que se desenvolveram à base dela. A produção em série, padronizada e em escala foram os princípio dessa nova forma de produção. Por outro lado, os trabalhadores das fábricas eram “massacrados” pelas longas horas de trabalho repetitivo. Um massacre à criatividade daquele profissional, pois a ele não se exigia pensar, somente repetir movimentos em uma máquina, numa linha de produção.

Logo no início da minha vida profissional estagiei em uma central de atendimento de uma companhia aérea. Fazendo uma analogia a uma linha de produção, o atendente ouve o cliente, lê o script e entrega uma resposta pronta. Se a resposta é uma solução para o seu problema são outros quinhentos. De um modo geral esses profissionais não são treinados para buscar uma solução e sim ler scripts. São pressionados a trabalhar 6 horas por dia, com uma folga de 15 minutos e atender o maior número possível de clientes, normalmente insatisfeitos com o serviço e/ou bem adquirido. Ou seja, ainda precisam lidar com a irritação, a falta de educação e paciência. Em que momento podem exercitar a criatividade?

Quando se acreditava que a tecnologia e a automação industrial trariam mais empregos, aconteceu o inverso: menos trabalhadores são necessários para fazer a mesma atividade substituídos por uma máquina ou sistemas.

A acessibilidade à informação atualmente é tão facilitada com a internet e mecanismos de buscas como o Google ou os feeders de notícias, que permite selecionar e receber os conteúdos de seu interesse. Sou ligada em computador, adoro novas tecnologias, mas pessoalmente não consigo absorver a quantidade de informação que recebo diariamente: são centenas de e-mails profissionais e pessoais, outras tantas centenas de feeders... 

Nos tempos de escola não anotava as atividades na agenda, guardava tão somente na minha memória e não deixei de entregar nenhum trabalho por conta disso. Porém percebo que nos últimos anos, com a velocidade que vem (e vai) a informação, já não absorvo o que é necessário com a mesma qualidade. Faço uso massivo de tasks e calendar do Outlook para me lembrar dos compromissos e atividades recorrentes.

Um exemplo até mais simples: antes do telefone celular éramos obrigados a decorar os telefones de casa, da mãe, avó, primos, etc, ou ter uma agenda telefônica para ajudar àqueles de não tão boa memória assim.
Diria que nosso cérebro não se ocupa mais decorando esse tipo de dado, salvamos nossos contatos no celular, procuramos o nome e pronto. Contudo, será que não nos tornamos mais preguiçosos mentalmente? Não seria isso uma das possíveis razões para o aumento de doenças como Alzheimer? Recebemos muita informação 24 horas, 7 dias na semana, mas não somos capazes de absorvê-la. Não temos “HD” suficiente para isso. Há estudos científicos que alegam que um ser humano normal não utiliza mais do que 10% a 20% do seu cérebro. 

Voltemos ao ambiente de trabalho. Se comparamos uma agência de publicidade ou mesmo o Google ou a Apple, são ambientes que vivem da criação para manter seus negócios. O local e os horários de trabalho dão flexibilidade para o profissional, pois uma nova ideia, um ato criativo não necessariamente surgirá ali sentado das 9h às 18h. Esses empregadores entendem que um profissional de criação não tem hora exata, mas quando a pressão está ali mantém ambientes de descontração ou descompressão para ajudar nesse processo. Ou seja, oferece o ócio para que sejam criativos. 

É aqui que o argumento de Domenico de Masi sobre o ócio ser precioso entra: às vezes precisamos não fazer nada ou ler um livro, praticar um esporte, sair com os amigos, fazer uma viagem, algo que esteja voltado para nós, que nos dá prazer, além do trabalho. Isso tira a pressão do cotidiano e permite extrapolá-lo, identificando necessidades, buscando soluções criativas. Trabalhar e ter prazer naquilo que se faz é fundamental, mas trabalhar você mesmo, seja espiritual ou fisicamente, é o que fará da pessoa diferenciada e preparada para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo.


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