E se tivesse sido diferente? [Martha Medeiros]

Quem leu o perturbador “Precisamos falar sobre Kevin” sabe que sua autora, Lionel Shriver, é craque em esmiuçar as razões psicológicas que motivam todos os nossos atos, mesmo os mais tolos, e em demonstrar o quanto esses atos geram consequências previsíveis e imprevisíveis. Em seu novo livro, “O mundo pós-aniversário”, ela conta a história de Irina, uma mulher instalada num sólido casamento de dez anos, que um dia sente um incontrolável desejo de beijar outro homem. Pra complicar, esse homem é um amigo do casal. A partir daí, a autora desmembra o livro em duas histórias que correm paralelas: a vida de Irina caso consumasse seu impulso erótico e a vida de Irina caso reprimisse seu desejo.

A autora poderia ter se contentado em escrever sobre o poder transformador de um primeiro beijo em alguém, mas foi mais inteligente e abordou também o poder transformador de mantermos tudo como está. É comum pensarmos que, ao ficarmos parados no mesmo lugar, sem agir, sem mudar nada, estamos assegurando um destino tranquilo. Engessados na mesma situação, é como se estivéssemos protegidos de qualquer possível ebulição que nos inquiete. Sssshh. Quietos. Ninguém se mexe pra não acordar o demônio.

Não deixa de ser uma estratégia, mas falta combinar com o resto da população. As pessoas que nos cercam sempre interferirão no nosso destino. Se dermos uma guinada brusca ou permanecermos na rotina, tanto faz: o mundo se encarregará de trocar as peças de lugar nesse imenso tabuleiro chamado dia a dia.

Ao fazer algo socialmente condenável (como ser casada e dar um beijo em outro homem, pra dar o exemplo do livro), tudo poderá acontecer - inclusive nada. Você poderá se apaixonar, abandonar seu marido e viver uma tórrida história de amor, e essa história de amor se revelar uma furada e você se arrepender, e tentar reatar com seu marido, que a essa altura já estará apaixonado pela vizinha. Ou você beijará e, em vez de iniciar um romance tórrido, voltará pra casa bocejando e nada, nadinha será alterado. Foi só uma pequena estupidez momentânea e sem consequências. Mas das consequências de continuar viva você não escapa.

Esse 2010 promete ser bom: ano do tigre no horóscopo chinês, ano de Vênus no horóscopo ocidental. Quem entende do assunto diz que teremos um aquecimento global do tipo que ninguém tem nada contra. Emoções calientes. Mas adianta fazer planos? Seja qual for o caminho que optarmos seguir, haverá altos e baixos. E isso é tudo. Se fizermos uma auditoria em nossas vidas, em algum momento questionaremos:

- E se eu tivesse feito diferente?

O diferente teria sido melhor e teria sido pior. Então o jeito é curtir nossas escolhas e abandoná-las quando for preciso, mexer e remexer na nossa trajetória, alegrar-se e sofrer, acreditar e descrer, que lá adiante tudo se justificará, tudo dará certo. Algumas vidas até podem ser tristes, outras são desperdiçadas, mas, num sentido mais absoluto, não existe vida errada.

@e-mail: Martha Medeiros

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